2013-05-24

de vómito

imagina uma música na cabeça e um ritmo nos dedos dos pés. sempre dizem que a vida com banda sonora fica mais bonita, romanesca, digna de se lhe acrescentar um ponto
um conto
3 mil réis
se não chega senta-te e escreve, arranja alguém nesse papel - as pessoas não são como as folhas, rasgam-se e colam-se umas às outras de mórbido modo tal que chega a ser aprazível. então sorri-se e diz-se as voltas que a vida dá.

2013-05-14

margens de livros

"ler os textos é ampliar-lhes o sentido"; escrever sobre eles é reduzi-los a pó,


2013-04-18

vida às semanas

que eu vá e não volte, se eu nunca fui de ficar? que mudes ou não, que te feches em casa e passes a comer batatas fritas, que sejas feliz. e que tenhas os teus contigo. não tenho meus, não tenho seus, não sei o que é a posse, porque nunca fui de possuir, passo pela vida como se num oceanário, os peixes são demasiado valiosos para mim, que odeio o dinheiro.
neste universo tão grande moramos todos no mesmo prédio e, no entanto, eu nunca fui de continente algum, ou de ilha, sou parte do povo que precisa de um estado, de um estado que precisa de uma bolsa e de uma bolsa que nada guarda lá dentro, tal qual o nome que se dá à religião (ou será religiões e os deuses almoçam todos juntos às segundas, quando as preces são menores). que sejamos todos vizinhos e que não haja ovos para dispensar a ninguém - e este período com a necessidade de um travessão dado que sempre um se não, um exceptuando, um mas anti-capitalista - pois se todos os optimistas morreram quando passaram o nono ano.
tanto faz, de tanto fazer, dissolvido agora em tão pouco no imenso pó da terra.

2013-03-21

desbloqueio

e se num dia eu quis mudar o Mundo, levantar-me e falar mesmo em voz alta e palpável, ser aplaudida e não querer saber porque só o Mundo naquelas barrigas inchadas haveria de fazer a diferença; se um dia um quis mudar o Mundo apenas por um segundo tal chegou mesmo a acontecer. ainda que só por um segundo.
há quem diga que para tal temos de nos mudar a nós primeiro. mas eu não quero crescer, eu não quero sair desse pôr-do-sol que nos segura à praia, não quero saltar do barco, legalizar-me, subir às montanhas - só assim consigo já ouvir os meus gémeos martirizados e doridos de riso no dia seguinte. não quero crescer.
por isso, e por enquanto, eu vou só entreter-me, em cigarros de vómito, músicas que fazem rugas, receitas de criança. vou só entreter-me até uma qualquer hora chegue e eu não me lembre de vestir o pijama e me enroscar nos lençóis que amanhã me mudarão para sempre. por agora vou só não ir para a cama - deve ser por isso que se escrevem livros.
amanhã, ou quando for, há-de ser o dia em que me levanto, a mim e à voz, e mudo o Mundo todo de uma vez e a partir daí, por aí, vou ler todos os livros antes de dormir sem esperar por acordar, falar com todas as pessoas e comer tudo o que me puserem à frente. porque, afinal, tenho o Mundo todo na barriga e tenho de fazer alguma coisa com ele. 

2012-06-04

fale mais um bocadinho desculpe

mas é uma coisa que revolta, eu tenho 77 e vivo em Setúbal, a minha mulher não me deixa assim enervar-me, mas é uma coisa que me revolta. a mudança faz-se por dentro, sabia menina? tem ar de quem sabe, passou por mim há bocadinho e aqueles bandalhos de gente aos gritos não eram nada consigo, mas o ar de Lisboa 
o ar de Lisboa e sim, qualquer coisa sempre a mudar, por dentro e por fora, as pessoas a fervilhar (sai pelos olhos e os pés, que andam mais rápido) e os meus próprios pés, que andam como a mudança já  (lá?) estivesse efectivamente dentro. o ar de Lisboa, que nos chama preguiçosos através desse sol que pede por favor uma ligeireza no passeio, uma demora no rio, um docinho mais e nos implora, nos grita que a mudança é por dentro, olha a o pessoa, olha as outras estátuas com vida, metidas por dentro de nós:
e nós, hoje, estátuas, sem nada para pôr  (lá?) dentro, no sofá, na piscina, num mar calado, como nós, agitado, tomara nós, em todo o lado. somos trabalhadores para o bronze vitalícios, necessitados desse que é o repouso crónico, porque não te faz nada a ti, que és o amor da minha vida, nem a mim, nem aos meus pais, nem aos meus amigos que valem por tudo, então para quê? 
para quês que as pessoas vomitam numa rotina diária exagerada, trabalhar para quê, fazer queixa, para quê, refilar para quê, fazer amor contigo para quê 
e numa interdependência por ter desistido de escrever e de agora começar a tentar falar, inalcançável desejo impertinente, eu peço por favor que para de perguntar para quê é que eu exagero em tudo e nunca paro de falar e de refilar e de me chatear e comecem por favor por mim a mudança por dentro, eu não posso porque tenho essa necessidade de repouso crónico e tenho de desistir outra vez dessas palavras rudes e insistentes que tomam o lugar dos meus incisivos e me fazem perder a paciência mas nunca perguntar  para quê? isto porque um dia, por dentro, eu vou chegar lá e vou mudar e isto tudo e enfim todos os velhos de 77 anos vão poder enervar-se à vontade e ir para o moche na Rua Augusta.

2012-06-03

e - sempre com a merda das continuações, já que tudo vai no seguimento do e depois continuaremos, por assim dizer, agarrados a um passado do qual - a única coisa que eu quero são esses lençóis azuis turquesa, como a gravata, e eu neles, sozinha porque me estás a fazer o pequeno almoço, por me amares tanto que trabalhas assim todas as horas e os segundos para me estragares com mimos
- não quero, não quero passado algum, que lixem com f os presentes também, podia hibernar ou suicidar-me apenas APENAS de hoje a 3 meses temporariamente e acordar daqui a 6 meses, meio ano para aligeirar a coisa, e aí sim um futuro primogénito e tudo menos essas fugacidades tendenciosas como na situação mundial actual - 
nua eu e os lençóis, tu por aí a mudares o mundo por mim, ou sentado no sofá para me deixares fazê-lo, sempre tão cavalheiro. um dia então tu chegas embrulhas-te também nos lençóis turquesa daqueles fininhos fininhos, inventamos palavras novas como sempre e eu nua e leve e com um coração nu e leve do tamanho daquela vista do castelo que uma vez fomos e tu tão-só beijinhos e os teus olhos transparentes até ao intestino
- e hoje este futuro que eu conquistei, sou uma super-nova sabias? completamente espectacular que constrói o seu próprio e futuro e quem a ama e quem a tem - 
ainda que
- ainda que!

sozinha e nua nuns lençóis cuja cor

2012-02-09

o armónio

Teclado como se um piano de graves e cenas que não sei tocar, respiras porque finalmente eu e as tecnologias. Desconfias – nunca tive nada contra elas – cantas-me e respiras-me e eu cheia de rédeas acima das pernas. Devia estar doente, sabes que sei disso e no entanto o meu estômago vestindo sari e a gola turva-me a vista, os olhos não por favor que os olhos –
Teclado cheio de pausas e coisas que fugazmente apresso na manha ondulada duma colcheia escrita a verso puxado para baixo pelos brincos que são gordos e me magoam os lóbulos, a doce sensação dos pediatras que me observam o tímpano, tudo sons nestas teclas de portátil que uso como nunca, para escrever numa folha paragrafada, impessoal, certa e suja, porca, uma folha porca que infelizmente não cheira a batatas:
A mulher faz dieta à minha frente. É como arrotar em público – um ultraje de tofu e pingas de leite; estar a apodrecer por dentro das almas e coisas assim não é tarefa fácil: pior que quando o meu estômago faz nudismo no meio do intervalo e o meu telefone toca, acende-se, aquela porra daquela luz mais que irritante e instável (ora azul ora rosa ora o diabo que o valha a ele que de mim não gosta, sou toda anjinhos e flores desinfectadas de abelhas, naturais é claro, mas sem aquela coisa toda que me enoja no meio natural, as partes selvagens, parece eu quando me julgava boa pessoa, aiquelindoomeucabeloassimprónatura) e eu, pobre coitada vítima duma guerra que comprei por capricho, eu toda tô-lá sim sim sou eu, mas que coisa, eu quero é palitos de mozzarella feitos por mim, cheios de queijo que me cai lábios abaixo, lasanha e lasanha e barcos.
Estou adormecida no barquinho em que me passeias, amo-te e tapa-me agora que tenho frio e quero ouvir o som dos teus pés nas tábuas de madeira que me passam nas costas, incrível a música como se barco e eu um piano onde tocas cheio de rédeas colcheias instáveis que descobres sem dar por ela, essa cena da alma que não percebes nada e o quentinho que está com este chocolate derretido todo -