- e trocaram olhares assim muito depressa, levantaram-se da mesa tudo muito depressa muito sofrêgo quase que apaixonado vai na volta ele assim muito depressa soube que...
- pois, e então claro que ele disse...
- ouviste o que eu disse?
(não. ouvi-o dizer que tinha comprado um relógio novo e vi-o de relance no pulso pontoado a ossos perfeitamente esculpidos pelas minhas mãos, o relógio que lhe dissera para comprar e que era lindo de morrer, que havia de ser herança de família se ele a minha, reparei-lhe de fugida no trajeito da boca quando sobe o pescoço, acho que tinha o botão do casaco meio descosido, eu que adorava aquele casaco às risquinhas azulinho lindo lindo)
- sim, tudo muito depressa..
- achas normal?! depois vem dizer-me que sou a mulher da vida dele, uma manhã depois de eu ter adormecido a chorar o meu cérebro todinho em conjunto com a matéria de biologia, vem dizer-me isto tudo e depois é claro que para além de cérebro fico sem coração, sem norte, sem sangue nos pés, vem dizer-me isto tudo, achas normal?
- acho terrível, acho terrível...
- estás mesmo a ouvir?
(não. acabei de reparar na ferida que tem no nó do indicador direito, provavelmente foi contra um poste, anda sempre tão sem pés na terra... deve ter sido hoje que tem o bolso do casaco, aquele casaco lindo lindo, um bocado descosido, foi um puxão qualquer, se calhar assaltaram-no, ai meu Deus que o assaltaram, ai se ele se magoou, ai meu Deus que horror que vida)
- sim, não me estás a ver olhar para ti?
- estou estou, estou estou! mas pronto, o que é que eu faço?
- vais comigo para a aula que já entrámos e não foi neste pavilhão...
- não é este o pavilhão?
(não. mas ele tem alemão aqui...)
- és sempre a mesma, sinceramente!
(sinceramente, quando é que começo a olhar de frente para a (minha) vida?)
1 comentário:
quando (quase) pensamos que já não vamos reparar mais no cabelo fora do sítio e na manga dobrada de maneira diferente ou na maneira de gesticular, vem sempre a mania de que é só mais uma vez.
Enviar um comentário