2010-03-21

estação

apetecem-me histórias de amor. estava no carro e fiz umas quantas. entravas sempre. mesmo quando passou na rádio uma música que não conhecia e me desconcentrei a descortiná-la. e eu continuava a inventar as mais estapafúrdias personagens, de barba cor-de-laranja, com cachecóis do benfica, o que quer que fosse que não tinha nada que ver com o teu jeito que posso sempre descrever na perfeição (nunca o faço. as músicas da rádio enrolam-se nos ouvidos). e tu, raios, entravas sempre. ou era um sinal na cara, um caracol no sitio certo (errado, errado), uma adivinha qualquer. metias raiva, e eu chamava as músicas da rádio mas estava qualquer coisa a fazer interferência. então falei contigo. encontrei-te numa personagem estapafúrdia qualquer, e disse-te, com as sílabas bem sonoras: 'tu não és de histórias de amor.' toma, desta é que ias mesmo dissipar.
tu sorriste-me, desta vez eras um médico bem sucedido, com óculos pretos de massa no nariz moreno dos dias de férias na praia. quem se dissipou foram as ondas sonoras da comercial, mais eu de dentro do carro. agora era recepcionista na tua clínica, a que ia ao teu gabinete dizer 'senhor doutor, está demasiado stressado.', e tomava café contigo no fim do horário de trabalho, com conversas das de nome merecido pelo meio. eras sempre tu, mais agora que me descobri a mim no enredo. isto não é de apetites.

2010-03-17

tinha mesmo que ser

tirando a parte em que eu ando pela escola com um cartaz forrado a jornal, a dizer às pessoas para comprarem o 'águas livres' e para mandarem a arte delas para o nosso mail; tirando a parte em que acredito piamente que hoje é o Dia da Folha porque inventei isso no café; tirando a parte da falta de inspiração e tempo para me andar a reinventar e a pintar por dentro; tirando a parte em que tenho andado em testes até dizer chega e o estudo é coisa rarefeita por aqui; tirando a minha corrida e o meu riso que cada vez estão mais estúpidos; tirando os meus joelhos que parecem os dum reguila qualquer sem os dentes da frente; tirando o chocolate todo antes do jantar; tirando a vontade de falar com pessoas que não conheço de lado nenhum só por me apetecer; tirando o facto que cada vez mais gente reparar que o meu atraso crónico é mesmo crónico e é mesmo atraso; tirando o facto de eu gastar letras nisto, ah, e falta o facto da minha vida amorosa ser um vegetal, mas, tirando tudo, eu estou completamente normal. a sério.

2010-03-14

a luta continua #3

- pareces uma criança a comer donuts com creme de chocolate e missangas às cores, não sabes quando parar, não?
- olha lá, e qual é o problema de se ser criança? eu gosto desses donuts.
- obrigada por me pedirem opinião. a sério, eu gostava de me concentrar noutras coisas um bocado mais importantes, posso?
- é para o teu bem. sabes que tens de ser pulso firme com ela e és sempre a mesma!
- deixa-me! eu já não sou assim tão pequenina, eu sei o que me faz bem.
- tu, deixa de ter armar em durona que qualquer dia não tens quem te ature. e tu sabes muito bem a mentira que estás a dizer, depois não te venhas cá encostar e soluçar que já nem pétalas tens.
- e agora?
- somos felizes?
- e agora, somos felizes assim, agora?
- não. agora calam-se.
Itálico

2010-03-13

dicionário de 'mas'

era um mar frouxo, sem ondas, sem algas, um mar de Verão algarvio. era um mar frouxo, tonto, que nos metia raiva de tão preguiçoso. era uma tarde rotineira, de férias com uma praia que, para nós, não acabava nunca. eramos nós num colchão roto, com as horas contadas, gasto como tantos pela nossa animação desmedida, e eram as nossas cabeças encostadas ao plástico insuflável, os nossos cabelos salgados aventureiros na espuma, pela disposição das ondas que nos deixavam estar como sempre estivemos - juntas, não muito afastadas, juntas.
eram os nossos olhos palpitantes que olhavam pela alegria desmedida dos nossos, que sem noção das horas lá deixavam ir mais uns quantos colchões (azuis, baleias, amarelos, bóias, uma prancha), mas para os nossos olhos bonitos nada estragava nada.
"quando alguém te perguntar por ti não respondas, mostra. quem te pergunta por ti não gosta de dicionários.
quando alguém te der a mão, dá a tua devagarinho. é bom sentir o calor da pele a aproximar-se - não há outro igual.
quando alguém te olhar de lado, mostra-te de frente e rasga um sorriso nesse alguém. ainda há muito de quem precise de cor e assimetria.
sabes, Rita, vais esfolar os joelhos muitas vezes. e não é por subires as escadas mais depressa e mais concentrada que isso vai deixar de acontecer. não há definições de feridas, nem de vidas, nem de amores. há muitas cicatrizes, muitas coisas, para caberem em livros de bolso e de consulta rápida. e é por isso, e pela certeza que as tuas sardas me dão, que sei que a tua vida não vai ser de fórmulas mirabolantes, nem de causas perdidas. sabes Rita, eu sei dos teus pinos à chuva, e sei que há sempre alguém que te segure as pernas. tu odeias lama."
uma onda azul, forte, veio, e aterrámos na areia, com as conchas presas no nosso cabelo a rirem-se, desmedidas.

2010-03-10

tão sempre nunca

quando o avião descolou, a minha destreza em me afastar de emoções feias - querida herança de família - impediu-me de olhar tão de perto para esses olhos tão calorentos que se derretiam mesmo perante a minha frieza de coração, coração que estacara faz meses, doze por estes dias, quando tudo era à sua maneira, à nossa. quando tudo era calorento e fresco como o céu de Julho.
mas, lá em cima na sempre nossa terra natal (nasciamos sempre tão lá em cima, calorentos e frescos de olhos brilhantes, era tão inacreditavelmente nosso, era tão sempre nosso), já nos pudémos sentir, de mãos cravadas uma na outra. via-te tão bem de olhar fixo na tão tua cor preferida. vias-me tão bem dormente, como sempre, na tua calma.
e quando já se resumia tudo a 'chá ou café?' aqui e ali, ainda te sentia de olhos cravados nas minhas costas, costas um do outro, que nunca foram mais minhas que tuas. e por isso, tonta como sempre na esperança de que só me visses mesmo as costas, a destreza e o feitiço quebraram comigo embrulhada num céu de Julho que não esse mês onde o meu coração estacara, e deixei emoções derreterem-se líquidas, que se cravavam em ti, mal sabia eu como sequer.
quando o avião aterrou, faz doze meses de 'chá ou café?' desse tão feio dia, e o coração sustinha a mil, disposto a soltar emoções bonitas que nem as praias da caparica, a destreza e o feitiço quebraram. a tão nossa terra natal estava em meses diferentes, em aeroportos que não aquele.

2010-03-08

ondas do coração

tenho-me esquecido de me lembrar de mim. e hoje que voltei, foi do tipo 'olha para o que cresceste!'; foi mesmo. desatei-me a rir. sabem, quando se volta ao porto de abrigo que é um amigo de sempre? podemos rir com as unhas dos pés, se quisermos. eu ri muito, que me lembrei de mim e vi. vi como o meu cabelo cresceu, como da minha cara se passaram réstias de infâncias doces. como já houve quem fugisse de mim. e assim, fiquei triste. mas, como porto de abrigo que me sou, deixei-me ficar de lágrimas marcadas nas bochechas acaloradas até vir outra maré salgada onde pudesse dançar outras canções.
e depois fiquei chateada. não compreendo o porquê das queixas das pessoas. e que lhes falta isto, ai que não tenho aquilo. fogo, e espetei as unhas nas mãos. mas acabei por me lembrar de mim, e parei. não tenho razões de queixa. tenho-me a mim, tenho a terra que me deixa ser eu se quiser, mas que me deixa também esquecer o norte da minha existência. tenho-me a mim, pelo menos metade. (a outra anda por aí espalhada, esquecida porque foi assim que me criei, esquecida de me lembrar de coisas. de me lembrar de mim.)
a outra metade têm vocês, os que me fazem esquecer de lembrar a outra metade de mim.

2010-03-07

guardei-me

sempre que rasgo uma folha e pego numa caneta, eu sei que sai de mim qualquer coisa. tomo isso como garantido, porque, transparente até mais não, sempre deixei sair todos os sonhos que comigo queriam voar. mas agora, agora tenho medo. não quero voar contigo muito alto porque, com vertigens até mais não, foi assim que me fizeram, e o pavor a cair redonda no chão arrepia-me. arrepios enormes que por estes dias têm sido maiores que os que o sonho me provoca, infelizmente.
sonho pequenino, voa comigo rasteirinho, a puxar-me pelas asas. transparentes até mais não, podemos dormir em postes de electricidade e esplanadas de café sem ninguém nos ver. basta irmos juntos e rasteirinhos, no silêncio que só o papel nos trás - e como já provámos dele, sonho pequenino. sempre que rasgamos uma folha.

2010-03-06

tenho dito #9

OS CHAPÉUS-DE-CHUVA VÃO AMALDIÇOAR O PLANETA.
(I'm siiiiiinging in the rain)

2010-03-04

és uma máquina nojenta.

eu só estou aqui mesmo por favor. o bater das teclas é ritmado e harmonioso, mas não é melodia conjunta com o meu coração, percebes? isto anda forte por aqui, anda de vento, esse filho da mãe. e o meu coração só bate forte por aqui por favor, não percebes? ele gosta de lobos, daqueles que uivam alto e que magoam os ouvidos como os cotonetes. grrr, o meu coração magoa-me os ouvidos e ressoa-me na cabeça, este filho da mãe. mas acho que as rapariguinhas que ainda teimam em deixar bater forte e ritmado e harmonioso o coração gostam é desses. filhos da mãe. andas de lobos e não me levas, grr.