2010-02-28

Miguel

cada vez que te vejo tenho saudades tuas. depois acabo sempre por me esquecer, desvairada como sou, mas hoje, hoje que te vi, morro de saudades tuas. sabes, era para ti que escrevia quando na escola me pediam 'escreve uma carta a um amigo a contar...', e ainda para ti escrevo cartas dessas à pressão. hoje é mesmo porque tem de ser - morro de saudades tuas.
lembro-me perfeitamente de onde nos conhecemos, nas apresentações formais da escola de línguas perto do meu alfarrabista preferido, onde vais entrar um dia destes pela minha mão. no dia a seguir estava encostada a um pilar no bloco da Dona Alzira e tocaste-me no ombro porque reconheceste o meu perfil de algum lado. puff.
mudaste a minha vida, e eu morro de saudades dela. as minhas manhãs de Domingo encheram-se de futebol, os intervalos da escola encheram-se de croissants porque mos obrigavas a comer, as minhas mãos encheram-se dos caracóis fartos que ainda hoje tenho como exemplo de cabelo bonito.
eramos os melhores. podiamos bem ter sido os namorados descomprometidos mais invejados da escola, mas fomos antes amantes da vida em conjunto. sabia-te a mão de cor - morro de saudades dessa pequenez gigante toda.
fizeste-me viciada na inocência, e sabes, odiei perdâ-la quando vi o mundo sem a tua mochila meio avermelhada meio sei lá o quê. és o único a quem, apesar de perdidos um do outro, sou capaz de dizer 'quero ser tua amiga até ter filhos ranhosos a quem dar o teu nome'. Miguel, ainda tenho vergonha de quando me ias ver a educação física.

2010-02-25

olfacto

cada amor tem um cheiro. o nosso cheira a folhas de menta com mel por cima. é bom, é de extremos. foi quando, de manhãzinha, estávamos sentados sem fazer nada num centro comercial que ambos odiamos, que eu descobri o cheiro que ambos nutriamos um pelo outro. menta e mel, nada a ver. acho que é por isso que continuamos com o compromisso mais sério de todos sem ninguém se aperceber. eu devo ser a manteiga no meio disto tudo, tu beringela. mas juntos, menta e mel. tudo a ver.
cada amor tem um cheiro. hoje, numa manhã mais avançada, andava eu à caça ao tesouro por entre lixo moderno, descobri um amor que cheirava a livros antigos. apeteceu-me ficar por ali a lê-los. cheirava-me que, faz tempos, foram também extremos opostos que (se) sabiam bem. com a demora, as páginas foram-se colando com a humidade e hoje, são um só cheiro.
cada amor tem um cheiro. quando for grande quero ter uma lavandaria com todos os sabões do planeta e juro-te, ainda vou ouvir um casal, mesmo que seja um daqueles de compromisso sério que ninguém se aperceba, que vai murmurar 'cheira a nós'.

2010-02-24

tenho dito #8

sabem, eu hoje senti-me em CASA.
(kumbaya, my lord, kumbayaaaaa)

um aninho!

parabéns pequenino! hoje faz um aninho que nasceste e que comecei a despejar para aqui todas as babuseiras que me passavam pela cabeça. tornaste-te meu. fiz aqui vinculos, sabes? fiz. e apesar dos mal-entendidos e comentários a que levaste, continuas tão bonito e inocente quanto eras e sempre foste (espero eu).
provavelmente não sabem que eu bebo leite ao almoço, ou que bebo garoto sem açúcar pelo menos antes da aula de geografia, que ando sempre a dançar e sou uma medricas do pior. mas a todos os que me fazem crescer por aqui, obrigada pequeninos e parabéns para voces também :D

2010-02-21

arto-te

- deves mesmo gostar de me fazer esperar.
estava sentada na berma da estrada, de pernas esticadas para aquele parque de estacionamento imundo, com três livros acabadinhos de comprar debaixo do braço e um café mocca na mão. a nossa amizade tinha para aí umas dez pulseiras do tempo atadas à pressa pelos tornozelos, pulseiras essas que nos ensinaram a esperar um pelo outro. a lutar um pelo outro. a adormecer um no outro. a ser, um no outro.
a gostar um do outro ninguém nos ensinou, calhou, por brincadeira das pulseiras pelos tornozelos do tempo. eramos pequeninos e aprendemos a criar. eramos, depois, adolescentes, e aprendemos várias coisas de costas viradas, mas com pulseiras amarelas e lilás para nos lembrarem de nós. as tuas namoradas também aprenderam decerto, que, embora te tivessem na mão, era bem melhor ter-te pelo pé. como eu, como às pulseiras. e hoje, aprendemos que, melhor que criar e ter alguém, é manter uma infância qualquer.
no teu carro ouvia-se boa música; era eu que a comprava, que a escolhia, que a tratava. como tu fazias com a roupa marcante que fazia questão em envergar. (ninguém sabia das nossas pulseiras, mas todos as admiravam. foi assim que crescemos.)
chegámos e fomos ler do mesmo livro; que eu criei, que eu escolhi, que eu tratei. naquela sala marcante que ainda hoje desenhas, escolhes, tratas. sempre me despachei mais rápido que tu:
- espera débora. - e mais umas quantas pulseiras da amizade.

2010-02-19

sabes quem é?

sabes, hoje fui outra vez. fui, sabes. nao interessa quem, eu não fui de certeza! mas fui, fui sabe-se lá quem de sorriso na cara quando bati com a porta da rua e reparei que a roupa que trazia era demasiado leve para o dia cinzentão. fui, quando ansiei por pessoas que não as minhas. mas tu, tu só sabes que eu fui. vamos chamar-me Dulce.
Dulce, quando te vi estavas sentada à chinês na berma da estrada, com o sol a dar-te no cabelo, a cantares com os teus músicas da idade dos porquês. eu estava de fora, mas Dulce, aquele cabelo era meu. aquela voz esganiçada era minha e os teus eram as pessoas que ainda hoje me dão forma à alma. mas Dulce, eu não me importo, hoje foste-me outra vez. de coração aberto e desastrado, de boca aberta a olhar para um arco-íris invertido. Dulce, hoje nem reparaste no meu coração magoado, teu outra vez. limitaste-te a pintar sorrisos às cores. hoje fomos outra vez.

2010-02-16

ele sabia que o que tinha em casa já não era mais a pequenina que fugia dele e se despia nos centros comerciais. sempre teve medo do que ia saber se tentasse descobrir o que ela fazia da vida depois de lhe saltar para cima e lhe fazer cócegas nas dobras dos joelhos, para depois arranjar o cabelo, cantarolar um verso qualquer em jeito de despedida e subir a rua que ele já subira vezes sem conta, depois de lhe despentear o cabelo amachucado entre os lençóis. apesar de lhe saber de cor o gosto esfusiante e a fobia a hábitos integrantes, tinha medo que ela algum dia deixasse de esconder esparguete cru debaixo da secretária para o ir comer enquanto pintava prendas de aniversário, por meio de versos em jeito de até para o ano.

adivinhava-lhe a presença pela voz estridente que tantas vezes lhe debitara matérias nem sabia quais, mais monólogo que diálogo fogoso. percebia-lhe o mau humor quando a via de cócoras na dispensa à procura de réstias impensáveis de chocolate.

mas temia por ela, que de gosto esfusiante estava cheia, e adivinhava-lhe os sonhos amazónicos e devaneios a um passo de se realizarem. tremia no alto da sua barba mal feita quando esta lhe cantarolava versos, pelo terror da despedida.

2010-02-14

pronto

estou cansada. doem-me os pés, que eu ontem matei as saudades todas que tinha do pimba! nunca me apeteceu tanto descomplicar. a minha mãe acabou de mandar mensagem para pôr a mesa. é por estas e por outras que odeio as novas tecnologias. nunca me apeteceu tanto dizer coisas sem sentido. tenho saudades de comer bananas na praia. gostava de saber o que é que o dia 14 de fevereiro tem assim tão de especial, quando me decidir a ter um namorado, vou festejar esta coisa dia 16, tenho dito. aiii, os meus pés. foi tão giro. e a todos os que me viram em sentido ontem, um obrigada por fazerem as minhas férias de carnaval valer a pena.

2010-02-10

fobia

estavas à procura das chaves. sempre achei incrível essa tua paixão por malas pequenas quando a moda é o exagero, e essa impossibilidade de encontrares seja o que for dentro delas. subias as escadas apenas pelo instinto de anos rotineiros, e pelos olhares repentinos que lançavas aos degraus frios, amarelados. estavas cansada. nunca percebi porque é que dás sempre mais nos dias normais, e nos que fazem a barriga da gente passear de metro tu andas aí como se as próprias borboletas falassem contigo. hoje era um dia normal, e tu estavas cansada por causa dessa tua paixão pela pequenez. mas num dos olhares repentinos lançados aos degraus gélidos, as borboletas deixaram a fala das flores. não percebo. são só pontos e rectas pretas vivas em movimento, pensa lá para contigo. mas não. estatelaste as omoplatas contra a parede gélida tal qual os degraus e decidiram, perante a tua pequenez, tirar todo o ar que dançava nas tuas veias. cravaste as unhas nas mãos, bem sei. tentaste subir as escadas apenas com o instinto de anos rotineiros, mas estes tinham ido falar com borboletas lá fora. tropeçaste e o excesso de ar ja te fazia arder os olhos. levantaste-te e a dança animal continuava. correste a olhar para trás, abriste a porta com instinto de saudade. fechaste-a, estatelaste as omoplatas nela e o mar voltava a ti. era e é um dia normal, pensa lá para contigo.

2010-02-09

tenho dito #7

QUE CONTINUO SEM PERCEBER PORQUE É QUE DIZEM QUE NÃO TENHO PERFIL PARA CASAR.

2010-02-07

castelo

hoje não. hoje está um dia frio, luvas e cachecol, demasiado para me vires aquecer na tua ânsia toda de agradar. hoje não, até parece que não sabes que faço de propósito quando me esqueço das luvas na cómoda da entrada. hoje não, hoje não venhas. sabes que gosto de subir estas ruas sozinha, pasmar nas muralhas do castelo a olhar para a casa nelas plantada. há anos que cá não vinha, culpa da família que pouco gosta de recordar. para mim é uma das muitas vidas que levo. por isso, olá avó da mãe, que nunca gostei de te chamar bisavó. sei que nunca fui a tua netinha, nasci em vésperas de revolução e nunca ansiei agradar. mas amaste-me, amas-me, à mesma, como eu ainda ser fazer. subi aqui hoje, de mãos frias, mais para te agradecer que para amar mais uma vez o coração de Lisboa. deixo isso para depois, quando apanhar o sol a jeito. ainda te vejo aí, a fazer croché e a falar com os turistas, nessas escadas fracas para a tua altivez sábia toda. eras deliciosa de se ouvir, e deste-me a descobrir a única coisa que neste momento me agarra a mão. deste-mO a descobrir. a Ele já lhe agradeci poder falar contigo assim hoje, sentadas nas escadas as duas.
a mãe disse que estavas bonita quando foste ter com o avô Bernardo. mas não foi por isso que deixou de chorar. nem o teu netinho parou de tremer. estava lá uma senhora - tu gostas muito dela - que era a única a olhar para mim naquele dia. franzia a testa, à procura da minha reacção. do alto dos meus 9 anos da altura, sabia que não era a confusão dela que importava. era a tua serenidade ao ver a minha calma. subi as escadas e sentei-me no chão com o terço que me deste nestas escadas fracas onde pasmo agora. nunca liguei muito a terços. mas deste-mO a descobrir, e eu perguntava-te se já Lhe vias os pés.
agora sei que tu também me agarras a mão fria, hoje. sei-te bem o tom de pele, está-me no sangue o teu feitio resmungão e sincero, de quem sabe amar, mais que Lisboa. amo-te Eduarda, que me deste a conhecer.

2010-02-06

amor é #4

ouvir as piadas mais estúpidas, mais imbecis e mais azeites que existem, abanar a cabeça e largar um sorriso. um sorriso daqueles pfffa. é inventar histórias para o coelho da vizinha, a comer pipocas numa casa que cheira a queimado porque o nosso menino, enfiado num pijama sujo de magnum de chocolate, insiste na ideia de que as pipocas já feitas vão amaldiçoar o planeta. é não precisar de exibições de parvoeira para fazer rir alguém. é ligar à hora de almoço só para dizer que se está a comer uma banana. e dizer por entre dentes que por ele abdicava da minha fruta preferida. é ouvir um 'hum, hum' do outro lado da linha, e ganhar o dia por isso.

2010-02-02

ressaca

eu sei que sou esquecida. desvairada, isso. não, não te aproveites de mim outra vez, sinto-me culpada mas não tanto. não tanto para me fazeres desaparecer. não deixes deixes isso aí. epá, mete-me isso no frigorífico! não, não vês que não estou pronta?! Os sapatos, Frederico? Desvairada, isso. mete aquilo no frigorífico e encontra-me os sapatos. oh, é só para nos organizarmos! não querias tanto chegar a horas? é só um jantar! sim, o João faz anos. mas qual é a tua prioridade afinal?! assoa-te. raios, perdi o fio outra vez. os sapatos, ah, obrigada. assoa-te! Frederico, não eram as horas? mas qual é a tua prioridade afinal?! nã, vai tu. não encontro os sapatos, está tudo mole no frigorífico, o João faz anos. vai, é muito mais que um jantar, certo? exacto.
(pum, chaves rodam.)
Frederico não, não tanto. não vás, que desapareço.