2010-04-29

gosto de escrever com palavras meio vestidas

eu abri as janelas de correr cada uma para seu lado, braços abertos em cima apoiados nelas. deduzi que se as largasse continuaria de braços esvoaçantes por ali, mas deliciei-me na preguiça de olhar para aquele que é o meu azul do céu, que raramente se descobria no meio daquelas horas todas num dia. o sol de correr ia esvoaçando por ali, de braços em cima para trás, mostrando-me as réstias das suas asas azul-pena-de-pato. agredeci-lhe ao ouvido por me saber dar cumplicidade luminosa daquela maneira, e continuei de braços abertos para a frente, a cheirar por ali o ar daqueles minutos que raramente se encontravam por tantos minutos que há num dia. se me dissesse a mim que não era ocupada nem tapadinha o suficiente para me achar impossivelmente disponível, juro-te que continuava ali até apareceres por baixo das janelas de correr e até te explicava que o fado português só faz as pessoas se verem mais felizes, mas stressada por pensar que papéis equivaliam a trabalho bati as asas para outro lado.

2010-04-21

mundo

"a margarida gosta das palavras porque elas a tiram dos arbustos com picos e ela fica feliz e brinca com elas."

2010-04-19

try again

o que sabe melhor é sentires a faca espetada no peito, a matar só o coração. sabe melhor quando dizes à esperança 'quem tinha razão, quem tinha?'. és um tudo poderoso, agora. sabe melhor o sangue a escorrer pelos braços desmaiados qual teatro trágico. sabe melhor agora, sem ver ponta de cobardia em carne alguma do teu corpo. sabe melhor mandar fora a inocência. sabe melhor ter olhos tão-só trovões. sabe melhor um corpo imundo de sonhos esfaqueados a cobardia e de pesadelos de trevas solitárias. sabe-te melhor agora um não-começo de sentimentos. onde nem o alívio reina.
não, não sabe, o sangue é demasiado teu. não sabe.

2010-04-17

missão

ontem vi uma pessoa que não sorriu durante uma hora. e isso fez-me triste. eu sempre pensei que, mesmo sozinhos, nos temos sempre a nós e isso pode ser um entretenimento enorme. mas essa pessoa não sorriu. depois pensei que se nos temos a nós como entretenimento, temos que nos pôr assim para os outros. eu vou ter que a fazer sorrir. ajudam-me?

2010-04-11

tirem o só (não se esqueçam!)

EU GOSTO DE ME PINTAR DAQUELA COR SALMÃO (da cabeça aos pés), e de discordar de todos os que decidem fazer da vida uma mulher fina de costas muito direitas e cara muito esticada. discordar e depois gostar tanto deles que até me apetece pintá-los salmão também. não é uma cor gira? salmão. não estou a brincar, não estou a ser infantil, não me estou a armar em qualquer coisa muito above (tenho reparado que a moda para se armar em coiso e tal é fingir-se que se quer muito estar lá em baixo) nem nada disso. estou a ser normal. quer-se dizer, não estou a ser normal (essa palavra nunca vos fez comichão? é que agora fiquei com a pele vermelha e vou ter que pintar outra vez. salmão!), estou só a ser. é que eu no outro dia experimentei fazer isso e gostei mesmo! só ser (tirem o só), é bom. depois se quisermos podemos acrescentar salmão; ser salmão. depois de só ser (tirem o só), podemos acrescentar qualquer coisa (e nem tem que ser coisa!). somos só nós (tirem o só) que somos, nunca repararam?

2010-04-08

prazer, coração.

és com quem menos me identifico. é difícil falar contigo, sabias? a culpa não está em mim, está em ti. queres todas as maravilhas do mundo (e para ti contam as árvores, as joaninhas, os móveis deitados ao lixo e as gomas) (alguma vez gostaste de gomas?), mas acabas por não ferver por nada, és livre de desejos, nunca soube o que te dar, quando dar, com que cara to dar. tens impulsos manientos, tu própria és manienta, tu és a própria mania. e eu, apesar de sempre ter fervido por ti, nunca me identifiquei contigo.
hoje apetece-me pedir-te desculpa pelas vezes em que me fui embora de ti. pelos tempos que passaste só pela metade, amolgada pela raiva que nunca te quis dar em hora alguma. desculpa por saber, de vez em quando, que ser livre de desejos não faz bem à saúde. desculpa se me esqueço vezes de mais que não tens cabeça e é por isso que não me identifico contigo. desculpa por nem sequer saber que o amor próprio se dá não se sabe onde, sem caras que o atormentem. desculpa por nem sequer ter desconfiado que o amor próprio não olha a entendimentos e que, por livre que é, é difícil de (se) falar.

2010-04-04

pum pum pum

isto anda assim, meio estranho. meio electrónico, que passa pelo tectónico, e vai para o claro, muito badalado e coisas assim, que eu, claro, adooooro. meio irónico, a modos que sim. esta raiva toda apercebeu-se dentro de mim e quis fazer-se ouvir: pum, pum, pum. estás-me a ver a tremer, estás? e eu sei, pensas que é frio, depois vais ao 'será tristeza?', terminas concluindo que é fúria, desististes e pronto, que estou eu a tremer. desistes e vais ter com o teu zézinho, loirinho, fofinho, ai que gosta tanto da minha família, ai que eu também gosto tanto dela, ai que está tudo tão feliz e ai que eu ainda nao desisti de tornar o mundo um roseiral sem picos, sem bichos, sem as folhas que isso também não é preciso.
eu não quero ofender ninguém que eu gosto dos mundos todos que há para aí, seja os sombrios com sangue assim por todo o lado; os preguiçosos que só têm wc, cozinha e ali um sitiozinho para se ser feliz; os berrantes cheios de cor e músicas e arco-iris e chuva para dançar e sol para ir ao mar; esses de rosas sem picos sem bichos sem nada; esses todos muito romanceados com histórias dramáticas e finais uhuh; misturas de uns com os outros; misturas de tudo e mais alguma coisa - eu gosto dos mundos todos que há para aí. mas já que isto se quer fazer ouvir, pum pum pum cá vai, eu gosto muito de mergulhar em mundos sinceros que deitam clichés para os esgotos, devidamente empacotados. gosto muito da diferença que ainda nos faz conseguir caminhar todos juntos para o mesmo sitiozinho: o do amor, um sitiozinho para se ser feliz: seja com luxúria, uma certa solidão ou muitos sorrisos tricolores pelo meio.
eu gosto muito desses mundos todos que há para aí, desde que seja um mundo daqueles com atmosfera que dê para a gente ir ao espaço de vez em quando. eu não gosto de bolhas de água que parecem sempre muito bonitas. pum pum pum e rebentam, estás a ver?