2011-05-29

'não tenho culpa, não tenho não tenho não tenho

se dizem que o amor muda o mundo, a gente entende que é o nosso e senta-se feliz da vida, a exigir ursos de chocolate. se dizem que o amor faz as gentes felizes, pensamos nós que são as duas pessoas intervenientes num amor que corta a respiração do coração num só golpe potente e audaz. se dizem que o amor não nunca se desperdiça, então dois amantes não se poderão separar.
os dias passam, as folhas caem das árvores, o aquecimento global continua, as pessoas cantam em coro "neste mundo que não sabe amar", e os apaixonados deste vida não entendem, não atingem que quando há amor o centro do mundo passa a ser não dois umbigos juntos para todo o sempre, mas todos os umbigos da população mundial (contando com todos aqueles que contêm em si mil e quinhentos umbigos, compram os vestidos favoritos de toda a gente, mandam lixo ao chão e reivindicam um planeta melhor só por si). e se dizem que o amor se partilha, não é tão-só numa cama apesar disso ser bom como tudo, mas é para o dar ao homem do supermercado, ao atrasado mental das finanças, à sem-abrigo-emocional que pára todos os dias no café! que o amor dá vontade de gritar ao mundo 'eu sou feliz!!!!!!!!!!!!', todos os que se apaixonam sabem de cor e salteado; acrescentar a essa repetidíssima expressão um 'tu também podes ser!!!!!!!!' não tem mal nenhum acho eu.
e portanto o que eu queria mesmo dizer, e aproveitando que amor e missão não dão para sair das minhas mãos por estes dias, é que cabe aos que acham que ainda dá para amar um bocadinho, neste sítio de rios poluídos e cabeças espezinhadas, mudar o mundo.

2011-05-25

da insuficiência da arte

conheci-te a história completa das tuas antologias de poemas divergentes, os teus, nunca revelados na arte desmedida e popularuxa que teimavas em criar de papéis e tesouras até tão tarde no quarto ao lado. conheci-ta e, pintando-a de tons mais clarinhos como as pétalas que te vesti nos meus próprios olhos, contei-a aos outros pelo mundo, encaixada numa narrativa incipiente, estilo barba-mal-feita, vida minha com um destino do qual nunca quis saber.
conheci-te a história, completa na minha boca, e aceitei sem esforço que viesse dos livros e não dos teus cantos soturnos, dos teus vestidos nos quais reconheci-a sempre algum tecido que morou na nossa casa e que eu pensara ter desvanecido, da tua boca digo-o já, da tua presença na minha vida insuficiente desde que tiveste idade para ir e espalhar a tua arte, ao fim ao cabo a arte de viver de leve sorriso no coração.

2011-05-17

amor é #11

e o amor é, a partir não de hoje mas de há já algum tempo que não te disse, eu a amar-te todos os dias numa coisinha minima diferente seja cada um dos sinais que descubro na tua cara seja a tua cara quando te chateias comigo e fazes crrrrrrrrrck ao meu coração; o amor é e já foi nós a amarmo-nos sem saber numa distância de paredes grossas de salas de aula antigas para quem devia aprender na rigidez de um pátio, nós a amarmo-nos nos nomes feios e nas torturas meio a brincar (nunca sei se meio a brincar se meio a sério); e o amor vai ser as pessoas a descobrir que ainda há estúpidos como nós, num amor que sobrevive autista e cheio da ciência da parvoíce e da falta de razão, ainda há estúpidos como nós que se empurram e gritam meio a sério (nunca sei se meio a sério se meio a brincar) e dão beijinhos de todas as maneiras e feitios que lembram ursinhos abandonados e países longínquos. dado está que o amor é, meio a sério meio a brincar sem tirar nem por, os nossos beijinhos que vão mudar o mundo que nesse dia vai aprender a cantar monocórdicos a abanar os tótós da cabeça, e a sorrir ao ver que ser e amor é, a partir daí mas de há já muito tempo, praticamente o mesmo tirando as letras e a conjugação.

2011-05-08

quando te olho nos olhos é mentira

o sitio mais bonito do mundo é o canto dos olhos. ainda falam nos cabelos loiros e na solidariedade jovem, mas isso passará. todos vão ver: o sitio mais bonito do mundo é o canto dos olhos. não há ponto algum de emoção estampado no olhar de estranho que seja. fixa o canto dos olhos, o sitio mais bonito do mundo, e talvez encontres então o esgoto de sentimentos dos olhos humedecidos em questão (olhos brilhantes não existem: convençam-se! apenas se trata de um reflexo de lágrimas no canto do olho com o sol tão lindo lá em cima, que não se pode olhar de frente, e nos faz lembrar uma tia que morreu. a tia saltava sempre que via um bicho e depois desfazia-se em gargalhadas, olhava para nós pelo canto do olho, o sitio mais bonito do mundo, estampado em cumplicidade, ia para dentro da cozinha e na volta um bolo sonhado por ela no meio de cantorias desgarradas.)
tenho um sério problema existencial dado que gosto muito de crianças e me volto sempre para elas na rua e sorrio sempre muito e elas nunca olham para mim! no outro dia voltei-me, muito chateada, a refilar com o chão que tudo viu. e quando os meus olhos baralhados a tentar pousar no chão passaram levemente por aquela bonequinha de tranças pretas atentaram naquele pequenino cantinho do olho, o sitio mais bonito do mundo, e ela a julgar-me os cabelos, a gabardine, o andar destrançado.
e foi então que todas as pessoas repararam que o sitio mais bonito do mundo são os teus cantinhos dos olhos. eu não vi o amor de frente.