2009-10-30

nature

eras pequenina e sabias que o teu tempo ainda estava para vir. eras pequenina e olhavas, pela janela do carro do pápá, os grandes e crescidos que já podiam andar sozinhos nas ruas, nenhum homem mau lhes ia oferecer doces falsos. eras pequenina, brincavas com bonecas e sonhavas com o dia em que te ias passear com sorriso liberal e de alma acorrentada ao menino que se sentava ao teu lado a brincar com os legos. eras pequenina, imaginavas-te dona do teu destino, mundo encantado de trocadilhos confusos e empolgantes. o teu tempo ainda estava para vir, mas quando viesse havias de ser mulher de ti. mas eras pequenina, crescias e não davas conta. crescias e já quase que não eras a pequenina de sempre, perdida de sorrisos que acorrentavam almas e despedaçavam sonhos.
'não queiras tão assim ser mulher de ti, minha pequenina. não deixes que te ofereçam doces que só te querem libertar dessa inocência. o teu tempo chegou, é-o agora em ti e sem mais ninguém para te acorrentar a trocadilhos confusos e empolgantes. minha pequenina, sê senhora agora. senhora de alma liberal e sorriso empolgante.'

2009-10-25

'life in plastic, it's fantastic'

sinceramente, de ti já não espero nada. nem mesmo que sejas feliz. e agora só sou eu. e eu é que vou deixar que isto acabe, eu. não vale a pena, e a única coisa que me entristece neste momento foi teres feito de mim uma vencida, sem sequer seres tu o vencedor. em questão de força, sabes bem quem a leva a melhor. virei-te as costas vezes e vezes sem conta, e adivinhava-te o sorriso de gozo disfarçado ao saberes que ia voltar. imagino-to aí, agora, enquanto preguiças nessa tua posição de artista adquirido. continua, que vais bem. mas, quando eu me decidir a continuar e puser a preguiça, a falta de verdade e a pena de lado, nem tu sabes o quanto me vou rir na minha arte. arte triste, que muitos a devem já saber de cor, arte falsa de sorriso adquirido. mas não penses que te sais melhor que eu, preguiçoso arrumadinho e farto de saber que não precisa de arquivar papeis de outros, é artista.

2009-10-20

dança da chuva

chove, falam alto. chove, 'ai que já molhei as calças!'. chove, e a gente sente-se bem a dar boleia a alguém no chapéu de chuva. chove, e todos dizem 'odeio chuva!'. mas chove, e toda a gente se aninha, vão para o quentinho, enroscam-se uns nos outros. a chuva é de extremos, chuva é comigo. não que goste, mas sou de extremos. chove e os olhos ficam diferentes, sabe bem ver olhos de quem vê, na paisagem da janela da sala de aula, coisas que, arrisco, o sol não sabe trazer. nem a paisagem. nem os olhos.
'está a chover' - susurra-mo baixinho para as nuvens rezingonas não ouvirem.

2009-10-18

casulo de mel

espreita pela porta. devagarinho, não acordes a borboleta. expulsa sem hesitar quem já lá está dentro, a fazer barulho, barulho que atormenta a borboleta mas não a faz acordar. quando estiveres sozinho, observa as asinhas brancas translúcidas que lutam por se manterem assim. brancas, tranlúcidas. sem acordar a borboleta, tenta tocá-las. mas deixa-as sempre assim. brancas, translúcidas. quando vires que é tempo e a borboleta não vai fugir de ti, acorda-a com festinhas mansas e em biquinhos de pés, festinhas de quem dança sem querer tocar o chão. acorda-a e fá-la ver que sempre há beleza cá fora, que nem todos vão fazer dela bola de pinball. deixa-a posar no teu nariz, olha-a nos olhos e mostra-lhe, com isso, a beleza que sempre há cá fora. acorda-a, mais às borboletas no meu estomago.

2009-10-14

eu digo!

há coisas que sabem mesmo tirar-nos a inspiração. há pessoas que sabem exactamente como nos tirar as palavras da boca. e há dias em que, em situações completamente distintas, ficamos sem palavras e sem inspiração. e há quem diga que isso até é capaz de ser bom.

2009-10-06

a luta continua #2

- é tempo, ja te disse. calhou-te o mal-me-quer, resigna-te, segue em frente, eu juro que desta vez não estou a gozar com a tua inocência exagerada.
- eu sei, já lhe disse 'vai-te embora, sai daqui'. mas não sai, o coração não sai!
- é que é assim, ou se misturam as duas e fico só com uma réstia do cheiro a margaridas e pacotes de açúcar amarelos ou se lava tudo muito bem com água do mar. margarida, as flores não renascem outra vez!
- mas ele tremia os olhos...
- e isso é bom? pára de uma vez de analisar cada segundo que passámos, de relembrar como os dias eram cheios, de como não havia nem uma marca de sal na nossa cara. deixa-nos ir, a todas!
- e se quando, em velhinha, passarmos o tempo do croché a perguntar 'e se?'
- e se parassem as duas? como alguém, que ainda não sei quem, disse no outro dia 'eleva-te nessa tua indecisão'. chega de desflorar mal-me-queres, aqui já não há mau nem bom. há dá a mão, mas não a mim.

2009-10-04

olha para o céu: é branco ou azul?

eleva-te nessa tua indecição, faz dela um bem necesário a que poucos têm direito. muda-te com ela, envolve-te e toma consciência de que às vezes, há mais que uma opção certa, porque não há erradas. não há verdade absoluta, a folha que sobes pode ser amarela e verde. mas... gostas mais de amarelo, ou de verde?
deixa-te subir nessa confusão de ideias, sentimentos e futuros. põe-te no presente que te deram, que não é uma corrida para o amanhã, que não é um laço concreto. é um passeio onde podes dançar na chuva, despentear o cabelo, o teu e o dos outros. despenteia-te em câmara lenta, vê que por onde quer que vás, há caminhos bons e maus. veste-te, e despenteada sai com um sorriso novo à rua, ergue as sobrancelhas e segue em frente. dá a mão a quem quiseres, mas dá a mão.