2010-01-30

keep on dreaming

uma lágrima gorda e decidida rolou pela bochecha e foi cair no tampo da secretária. os olhos vidraram na pequena gota abandonada na madeira. durante muito tempo. mas, de olhos vidrados ainda, atentou noutro seu abandonado. o coração batia forte e inchava, vaidoso. tinha vencido o corpo, a alma, o céu nublado e tudo o que lhe dava vida. tinha ultrapassado a apatia que lhe assombrava os olhos vidrados, que brilhavam de contentes agora. para o coração vaidoso e para os olhos cintilantes não importava mais que tudo estivesse mal no mundo, incluindo o deles. sentiam de novo, a tempestade voltara. a flor acordou pelo meio daquela efervescência toda e correu a enroscar-se no cabelo, dando-lhe mar de novo. era a primeira vez que não se importava com o mal que lhe faziam, a ela, ao coração vaidoso, aos olhos cintilantes. o cabelo já nao era mais deserto, e ela sorria ironicamente. ouvia o ribombar de trovões, bem perto dela desta vez. obrigada céu.

2010-01-28

2010-01-25

o outro lado

afinal era isto que tu querias. já passou, era só fome, comeste e o ovo estrelado que abres na esperança de cozido soube-te bem, as marcas das lágrimas sabem-te bem também já que isso não reflecte vazio algum, era isso que tu não querias, o vazio é frio apesar de Verão quente, ficou uma alga presa ao teu pé, pegaste-lhe na esperança de ser ele a dedicar-te amanhãs, mas a maré baixou e a alga foi, o sol dos dias acabou e as marcas das lágrimas já não te sabem bem porque te sentes salgada de mais, agarras-te às contas de somar e foges que eu sei lá das letras que te fazem cócegas nas costas, foges que te pelas, de quê, sei lá eu.
afinal era isto que eu queria, não saber mais de ti, gostar de Invernos violentos e deixar o sol dos dias, para ti noites, ir, prendo as letras para mim concretas depois de descobrires que não tenho cócega alguma, não gosto das tuas costas sempre tão esguias e divertidas, a somar a isso ainda me chapas a cara, mas porquê, e sei lá eu.
afinal era isto que nós queriamos, vivermos os dois e não sabermos de nenhum, deixar os dias com o sol e fechar os estores partidos, deixarmos de lado a praia e sujarmos a cozinha com ovos estrelados em azeite, para comermos cada um no seu chão marcado com algas de marés que já foram, e mesmo assim dizes que me amas, vê lá vê.

2010-01-24

tenho dito #6

QUE QUEM QUISER ENTRAR E PROVOCAR EM MIM UMA TEMPESTADE DE EMOÇÕES, ESTÁ À VONTADINHA.

2010-01-21

o dia em que odeei a fnac

entrei e tropecei num quadro de serviço de chá. nem liguei, raios para o egocentrismo, tinha causado má impressão. levantei a cabeça, a senhora limpava livros atrás de um caixote; boa tarde. boa tarde menina. não sabia o que procurar, estava um chapéu atigresado pousado em cima duma cadeira. há quantas décadas? subi as escadas, voltei a tropeçar. capa roxa, Sr. Justo. segui, águas passadas não movem moinhos, tal qual as minhas opiniões formadas, leite derramado e justiça por aqui. literatura portuguesa, mil e um titulos a escorrerem-me pelas mãos. É ISTO!, e eu salto para trás. baixo a cabeça, livros empilhados, cabeça entre as mãos, sorriso sabe-se lá onde. volto atrás, livros recentes empilhados num caixote. entra um senhor, pacato de ar de seduções passadas. deviam ainda mover moinhos. boa tarde. pela primeira vez, olho em volta. que pó acolhedor, havia escadas ao fundo. posso descer? pode pode menina, não ligue à desarrumação. ligo pois, desco as escadas, capas mil a desfilarem por mim. aqui o tempo foi de férias, só as lâmpadas se ouviam. e tão bem que destoavam. uma porta escancarada, a minha curiosidade a espreitar lá para dentro. molduras encostadas, molduras das de mortos rigidos, quantos mortos já terão passado ali? uma cadeira de rodinhas, das primeiras que existiram, apeteceu-me sentar nela. a minha descoordenação impede-me, tropeço outra vez. saco de revistas de papelaria recente, destoava. lá dentro, Diários de Noticias que são hoje àguas passadas, que movem moinhos ainda. 1974, só se ouvem as lâmpadas e nao tenho medo de deixar o sonho entrar. um carro miniatura de colecção. apetece-me levá-lo para casa e cuidar dele, fingindo ser colecção manienta do meu pai. subo as escadas, palavras a olhar para mim. livros recentes empilhados em caixotes, livros antigos arrumados em estantes. o busto do camões ferido pela erosão, o fernando pessoa sem cabeça. cheira a sonho. literatura portuguesa, mil e um títulos e mais um preso, vivências e crepúsculo, o sonho entrou, as folhas amareladas são minhas.

2010-01-18

agarra-te a mim

Família, amigos, cultura, cabeça, coração, linhas, céu, mãos. Família, amigos, cultura, cabeça, coração, linhas, céu, mãos. Vá, repete, mais uma vez, estou aqui para te dar força quando já não o sabes ser. Repete, vê, repara, tens muito, é bom, e eu já estou a desesperar por não o veres. Tens quem te abrace no escuro, tens-te a ti nas horas de tédio e miséria, com inspiração suficiente para olhares para o céu quando não há pedaço de ti que não esteja partido, mas sabes-te de punhos cerrados para não te deixares desaparecer. Sabes a maneira exacta de dar magia ao teu dia, ao teu espreguiçar, ao teu pé na poça. Pára de bater com a cabeça nos joelhos e beber soro porque gostas da sensação de lábios secos, pára. Tens isso tudo, coração, e eu só te tenho a ti.

2010-01-17

o corrimão era verde

estavamos os dois sentados numas escadas das traseiras dum prédio qualquer, cheio de grafitis racistas e asneiras mal ditas, mal desenhadas e mal interpretadas. eu tinha nojo daquelas escadas, de todas as pastilhas coladas em pedras reclusas num mundo que não mais se constrói. tinha nojo, mas a minha avó andava por aí e a flor que me querias dar murchava por amanhã. era reles e decadente mas havia paz quando mergulhava os meus ouvidos na tua camisola de lã e os meu olhos só viam pedras presas por entre ervas daninhas. e aquilo chegava para afastar as saias da minha avó, de quem herdara a falta de paz e o gosto pelo vento.
trazias a flor mergulhada num liquido sem cor, tal asneira sibilante. amarguinha, a flor que me ias dar ia murchar já por aquelas horas de paz colada aos meus ouvidos. trouxeste o jazz que te pedi, ouvimos com o copo e a flor pelas horas dos finados. não haviam frases tiradas à pressão, para nós chegavam as que saíam porque tinha de ser, e não mais nos demoravamos em conversas longas e de vidas que não as nossas, com copos e flores pela metade. quanto mais as histórias dos nossos nomes fotografadas por satélite, à distância de anos-luz que iam morrer antes mesmo de lá chegarmos. o silêncio pela metade servia-nos. tu não gostavas das saias de fazenda da minha avó e eu não gostava da herança que ela me dera. dela não tinha o todo inteiro que era desde que tinha a minha idade e procurava paz em traseiras de prédios que não tinham grafitis. era de metades e a mão já nem chegava para contar quantas tinha. dizias que se houvesse alguma história a anos-luz para contar seria a de que pessoas às metades se juntavam e continuavam sem fazer um todo inteiro. nunca fomos um, nunca o seremos. dá graças, meu amor, dá graças aos anjos, às flores e aos copos.

2010-01-15

olha para a frente senão cais

e eu estava ali, sentada no muro, foste tu que fizeste isto tudo, foste a chapada na cara, a delicadeza inocente, a pedra a ferver, queimaste-me, pedra parva, queimaste-me, e agora o meu coração ficou não-estático, eu que gostava do silêncio, eu que nunca tinha sonhos iguais e podias tirar o cavalinho da chuva que não ia ficar maluca nem virar o cronómetro, mas agora estou ali, sentada no muro, tu não me vês, houve qualquer coisa em ti que mudou, agora és linear, eu que adormecia tão bem no teu balancé, partiste o pé, mas já me viste a fazer poesia? olha para a frente e vai a correr, eu estive ali sentada no muro, já corri essas voltas todas, saltei em poças sem molhar o cabelo porque tinha um gorro novo, mas depois cai de cara e a máscara saltou também, estivera antes sentada no muro que as formigas não sabem ver humanos porque não têm vida para novelas mexicanas, e eu também não, odeio televisão, mas já me viste a fazer poesia? sai da frente que eu quero-me deitar, para ter sonhos iguais, jurei eu para nunca mais, mas já me viste a fazer poesia? e tira o cavalinho da chuva, está a chover e eu estou sentada no muro, virei o cronómetro, estou maluca.

2010-01-10

tenho dito #5

que é por nos cingirmos às regras que elas acabam por se distorcer.

eu vou estar nas bancadas. ou não

tomar decisões é das coisas mais enfeitiçantes do mundo. digo, se fosse uma desnaturada com as palavras, o mais certo era começar a dissertar sobre a emoção mais poderosa que sabiamos pertencer-nos. tomar decisões. pena elas serem as melhores amigas da flor cá de dentro, que é a coisa mais timida que eu conheço e não me deixa dizer nada da boca para fora.

mas a flor concorda comigo quando digo que tomar decisões é magia. seus criticos de circo, estou para ver o vosso número tresloucado em comparação com o mágico que enche bilheteiras e é empresa de mudanças de corpo e alma. ele não quer mudar o mundo, mágico que é mágico como ele só quer tomar decisões. mágico que é magico como ele só quer mudar alguma coisa. e vocês, meus caros fala-barato?

quentinho

quero que saibas que perdes muito. ao teu lado está uma das 7 maravilhas do mundo deitada ao sol sem fazer nada, porque o único que a venera ainda é o velho que manda pão aos pombos e gaivotas, dum saco velho do continente. tem liberdade para tal, ninguém repara que as luzes do nascimento que passou ainda por lá andam. por isso, vê se te mexes. perde-te e finge que és turista na tua própria cidade, já dizia um pacote de açúcar. pede para te tirarem fotografias nos locais simbolicos, enquanto os que te interessam pairam mesmo no reverso da fotografia. fala com almas que não as tuas sem medos, porque quando és turista não há alma que resista. canta e uiva no meio da rua porque o sem abrigo em que ias tropeçando ainda se vai alegrando com a tua voz esganiçada. agarra uns quantos balões, que têm a sua graça quando são esquecidos em ruas cheias de diferença, que o oposto está fora de moda e ainda há sorrisos que se aproveitem. salta, perde-te e não te encontres, depois vai para casa e repara que nunca saiste de lá.

2010-01-08

amor é #3

casa. dançar o rock n'roll, ver o arco-iris e saltar para um monte de folhas secas. paz, ler do mesmo livro, estar na mesma página. pode ser um na primeira e outro na última, vá. angústia. verem o nosso nariz vermelho, os olhos inchados e a cara manchada, mas darem-nos beijinhos nos olhos de qualquer maneira. é imprudência, comer na cama e não se lembrar que as migalhas fazem cócegas nos pés, dizer ao pai que já não é o único homem nesta vida, homem de H maduro e nosso. amor é pressa mas deixa andar. é raiva e deixar-te esmurrar-lhe o peito porque sabe que precisas dum saco de boxe que dê beijinhos. amor não é fazer directas e faltar às aulas. amor é fazer directas para ver o nascer do sol e faltar às aulas para ir a um museu.

2010-01-05

geleia podre

acaba por ser o mesmo que tomar banho numa galeria de arte. é tudo tão mais pessoal. fogo, aprende que sedução não é comigo, nem vice-versa. experimenta queimar-te, molhares os lábios com a lingua e sentires que o doce da tua boca já se foi. não és menino de bronze, qual ouro metálico. trapos, diz melhor com o meu cabelo. restos de tule a esvoaçarem pelas minhas pestanas. e uma garagem qualquer, cinzenta, farrusca dos anos e travagens. sedução não diz com o meu cabelo, faz parecer uma boneca esturricada. só te faltava isso, fala francês agora. fogo, deixa-me, tenho o nariz entupido e não consigo dizer os r's carregados de amor de almofada. romanticida, nem de tocar piano de lembras, nem de como os teus olhos brilhavam com a àgua suja do Tejo. deixa-me, que não te (re, amor de almofada)conheço e o doce de ti já foi.